O Ministério Regional AA-Afro – Ações Afirmativas para Afrodescendentes da Igreja Metodista na Terceira Região Eclesiástica, no exercício de sua vocação e em conformidade com os objetivos pautados em suas Diretrizes Ministeriais de promover a missão integral, reconhecendo a Igreja como principal agente do combate a quaisquer formas de discriminação racial, bem como para levantar a discussão, estimular e contribuir para a reflexão sobre o tema do racismo e sua realidade no contexto brasileiro e nos locais onde estamos inseridos, vem através desta nota reafirmar a tradição Wesleyana na luta contra o racismo, e o compromisso do Metodismo histórico de transformar a nação, particularmente a Igreja e espalhar a santidade bíblica sobre a terra.
Seguem já por dias as crescentes manifestações ao redor do mundo em solidariedade a morte do segurança negro George Floyd no dia 25 de Maio deste ano na cidade de Minneapolis, Estado de Minnesota nos Estados Unidos da América, em decorrência da aplicação em excesso da força física durante uma abordagem pelos policiais Derek Chauvin , Thomas Lane, J. Alexander Kueng e Tou Thao.
Um grande clamor mundial ecoa após a divulgação de um vídeo que foi amplamente divulgado pela imprensa mundial e nas mídias sociais, gravado por espectadores no momento da abordagem policial, retratando o momento exato que George Floyd dizia repetidamente: “I Can’t Breathe!” (“Não consigo respirar”), após estar imobilizado e de barriga para baixo no asfalto enquanto o policial Derek Chauvin permanecia com um dos joelhos sobre o pescoço de Floyd enquanto os demais policiais no local permaneceram inertes diante daquela agressão.
Outra morte noticiada recentemente foi a do adolescente negro de 14 (quatorze) anos João Pedro no Complexo do Salgueiro na cidade de São Gonçalo na região metropolitana do Rio de Janeiro. O adolescente foi baleado durante uma operação policial no local para cumprimento de mandados de busca e apreensão de contra lideranças criminosas segundo a polícia e o caso ainda encontra-se em investigação.
Nos últimos dias também foi noticiado por grande parte da imprensa brasileira a morte do menino Miguel Otávio, criança negra de 5 (cinco) anos de idade que perdeu sua vida ao cair do 9º (nono) andar de um edifício na cidade do Recife-PE. No vídeo que foi amplamente divulgado do sistema de segurança do condomínio é possível ver o momento exato que a criança se dirige ao elevador de serviços do edifício, é seguido pela patroa da mãe de Miguel (Sari Corte Real) que após desistir de persuadi-lo a sair do equipamento, negligencia sua segurança e o deixa sem supervisão no elevador.
A empregada domestica, mãe de Miguel (Mirtes Renata Souza), havia descido para passear com o cachorro de sua empregadora, deixando o seu filho com ela, quando soube que alguém havia caído do prédio. Miguel acessou uma área de equipamentos no 9º (nono) andar do edifício, local de onde caiu e veio a óbito.
A Igreja Metodista no Brasil através de seu Programa Nacional para o enfrentamento ao racismo cultural e institucional, aprovado no 19º Concílio Geral da Igreja Metodista, com as características de transversalidade que está diretamente ligado à noção de Igreja como corpo, segundo a perspectiva de Paulo a carta de I Corintos 12.12; 25-27, que se um membro sofre, todo o corpo sofre junto, compreende que neste momento toda a igreja, em todos os seus escalões e áreas de ação, tem o compromisso de promover ações práticas de apoio, parceria, solidariedade e amor, em defesa de pessoas ou grupos que são afetados por condições de injustiça, violência, exclusão e afins, provocadas pelo pecado do racismo, seja pelo preconceito, pela injuria ou por meio da discriminação racial.
Um dos objetivos específicos do Programa Nacional Antirracismo da Igreja Metodista no Brasil é dar visibilidade do racismo socioestrutural e capacitar a igreja sobre temas relacionados ao racismo, preconceito e discriminação racial a luz do Evangelho de Cristo na perspectiva de justiça do Reino de Deus.
Os cânones da Igreja Metodista traz que na presente situação do país e do mundo, como de particular importância para sua responsabilidade social o discernimento das seguintes realidades:
“Deus criou os povos para constituir uma família universal. Seu amor reconciliador em Jesus Cristo vence barreiras entre irmãos e irmãs e destrói toda forma de discriminação entre os homens e as mulheres. A Igreja é chamada a conduzir todos e todas a se receberem e a se afirmarem uns aos outros e umas às outras como pessoas em todas as suas relações na família, na comunidade, no trabalho, na educação, no lazer, na religião e no exercício dos direitos políticos”.
Também traz o texto canônico que a compreensão abrangente da salvação faz com que os metodistas se comprometam com as lutas que visam a eliminar a pobreza, a exploração e toda forma de discriminação a luz do texto bíblico de Tiago 5.1-6 e Gálatas 5.1.
Em relação a história do nosso país, quando a Lei Áurea foi promulgada, em 13 de maio de 1888, foi proibida a escravização de pessoas dentro do território brasileiro, sendo o Brasil o último grande país ocidental a extinguir a escravidão, e diferente de como aconteceu na maioria dos outros países, não houve a criação de políticas públicas para inserir os escravos libertos e seus descendentes na sociedade, garantindo a estes os direitos humanos básicos, como moradia, saúde, alimentação alem de educação e inserção ao mercado de trabalho.
Sem emprego, sem moradia digna e sem condições básicas de sobrevivência os escravos libertos habitaram os locais onde ninguém queria morar, como os morros e encostas da Região Sudeste, formando as favelas, promovendo e sustentando até hoje a exclusão racial e econômica em todo o país.
John Wesley, fundador do metodismo, se colocava contra a escravidão, e a Igreja Metodista é uma das pioneiras no desafio da inclusão social no Brasil, e os seus documentos enfatizam a necessidade de ações praticas, como por exemplo: “é injusto aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes confirmando a miséria dos pobres e oprimidos. Os programas para aumentar a renda nacional precisam criar distribuição equitativa de recursos, combater a discriminações, injustiças econômicas e libertar o ser humano da pobreza”. (Credo Social da Igreja Metodista)
O Plano para Vida e Missão da Igreja Metodista também traz objetivos para nós metodistas, de forma a promover como agentes transformadores da nossa sociedade não apenas a luta contra a injustiça econômica ou social, mas também debater sobre o tema da discriminação racial, da violência institucional contra a população negra, quando nos orienta a discernir neste tempo presente, e assumindo os dramas atuais do povo:
“Há necessidade de apoiar todas as iniciativas que preservam e valorizam a vida humana […] a missão acontece quando a Igreja sai de si mesma, envolve-se na comunidade e se torna instrumento da novidade do Reino de Deus. À luz do conhecimento da Palavra de Deus, em confronto com a realidade, discernindo os sinais do tempo presente, a Igreja trabalha, assumindo os dramas e esperanças do nosso povo” (Plano para a Vida e Missão da Igreja).
A palavra Racismo é o título da discriminação e do preconceito realizado direta ou indiretamente contra indivíduos ou grupos por causa de sua etnia ou cor. Ressalta-se que, o preconceito é uma forma de conceito ou juízo formulado sem qualquer conhecimento prévio do assunto tratado, enquanto a discriminação é o ato de separar, excluir ou diferenciar as pessoas em detrimento de sua cor, etnia ou até mesmo de sua condição social.
O Racismo institucional por sua vez, de maneira menos direta, é a manifestação de preconceito por parte de instituições públicas ou privadas. O caso de João Pedro e George Floyd são exemplos abertos desta modalidade. Já o caso de Miguel Otávio, mesmo estando na esfera das relações particulares de empregado e empregador, não só evidenciam o racismo institucional nas relações de trabalho, como também reafirma o histórico do Brasil em relação as desigualdades sociais de sua população, pois em um momento de Pandemia, sem ter onde deixar seu filho, pois as escolas encontram-se fechadas, a empregada domestica é obrigada durante a quarentena a ir trabalhar e cuidar das atividades domesticas de sua empregadora e de seus filhos, inclusive das necessidades do animal domestico da família, mas no momento que seu filho, negro e pobre precisa de cuidado ninguém esta lá por ele.
A Carta Pastoral sobre o Racismo traz como tema: “Abrindo os olhos para ver e o coração para acolher”. É um dos documentos mais importantes produzidos pela Igreja Metodista em sua história recente, buscando despertar a consciência critica dos membros para reflexão sobre o tema do racismo e de sua realidade no contexto brasileiro. O Programa Nacional Antirracismo busca tornar a Igreja Metodista um espaço de inclusão e vivência fraternal cristã entre as diferentes etnias, um ambiente de respeito e de consideração para alcançar um padrão de igreja que proclame, testemunhe e pratique a justiça e o amor de Deus no que tange às relações entre as diferentes origens étnicas.
Neste sentido, convidamos você membro desta comunidade de fé a orar pelas pessoas que sofrem com o racismo em todas as suas formas, bem como pelas famílias que perderam entes queridos em decorrência das praticas de uma sistemática racista institucionalizada em nosso país e em nosso mundo.
Ore por todos aqueles e aquelas que praticaram atos de injustiça, violência, exclusão e afins, por meio do pecado do racismo, seja pelo preconceito direto ou indireto, pela injuria ou por meio da discriminação racial, ou até mesmo pela sua omissão diante de tais praticas, para que o Espírito Santo possa os convencer de todo o pecado, pois nós, metodistas, cremos na graça de Deus que nos possibilita buscar o perdão, uma nova chance. O perdão de Jesus Cristo que alcança o mais vil pecador ou pecadora levando-os à cura para que em santidade, possamos crer no projeto de Deus para cada um de nós: uma nova vida em Jesus Cristo.
Conclamamos a todo corpo pastoral de nossa região, para dedicar tempo e esforços na busca de mais informações sobre o tema da questão racial, à desenvolver um plano de estudo dos documentos da Igreja Metodista para que possam promover em suas comunidades locais, seja através de estudos, do atendimento pastoral ou da pregação da palavra, momentos de reflexão sobre o pecado do racismo, buscando despertar a consciência critica em cada membro sobre o tema e a realidade no contexto brasileiro, para que cada igreja possa se tornar uma Igreja Missionária de transformação social. Todos e todas, independente do gênero, da idade, da etnia, da cor da pele, da condição econômica, política e social que possamos estar, todos somos convidados à abrir os olhos para ver e o coração para acolher. É uma luta de todos nós!
Em unidade, como Igreja de Cristo, queremos orar e prestar nossas homenagens e solidariedade às famílias de Miguel Otávio, João Pedro Mattos, Gorge Floyd e a tantas outras que sofreram injustiças, violências, exclusões, omissões e afins, por meio do pecado do racismo. Que o Espírito Santo possa visita-los e confortar seus corações.
José Carlos Peres
Bispo Presidente da Igreja Metodista na Terceira Região Eclesiástica
Paulo Roberto Lopes de Almeida Junior